quinta-feira, 24 de março de 2011

O OBREIRO E A DIABAZINHA

Pelo vão da porta do ônibus aberta Dalva põe a cabeça e pergunta ao motorista:
- Adeilton tá por aí?
- quem senhora?
- Adeilton, meu marido, ele tá nesse ônibus?
Uma pessoa na parada do ônibus gesticula pra o motorista que se trata de uma maluca. O motorista desconversa e dá a partida.
Adeilton fugiu num ônibus igual àquele num final de tarde juntamente com a vizinha menor de quinze anos. A tal que andava com aqueles shortinhos, com aquelas blusinhas, mostrando tudo. Adeilton era casado com Dalva, não tinha filhos, homem bom e generoso, não bebia, não fumava, nem gritava em casa nem na rua. Era obreiro numa igreja evangélica e um dia a mãe da vizinha veio pedir ajuda pra filhinha de quinze anos que estava parecendo possessa, querendo quebrar as coisas dentro de casa, Adeilton, bondoso, na intenção de minimizar o sofrimento daquela mãe desesperada, prontificou-se em ajudar e foi até a casa carregando a bíblia. A menina não ouvia ninguém, conseguiu levá-la até o quarto e trancou-se com ela. A menina mostrou ao obreiro o demônio do amor no corpo e o seduziu. Adeilton nunca imaginou que uma mulher, ou melhor, que uma menina de quinze anos poderia fazer tudo aquilo que ela fez com ele. Esqueceu os versículos só lembrou dos testículos e se deixou levar pelo demônio, ela o fez enxergar um maravilhoso inferno e não mais voltou. Ficou por lá, fez as malas e partiu num ônibus no final da tarde. Para desespero de Dalva e alegria da endemoniada.
Foram morar em outra cidade. Adeilton era pedreiro de mão cheia, excelente profissional, arrumou logo emprego e dava pra sustentar os caprichos da nova companheira. Chegava cansado apesar de jovem não tinha fôlego pra sustentar os malabarismos da diabinha. Sabia que durante o dia ela fazia suas estripulias. Usava aqueles shortinhos, aquelas blusinhas. Inventou usar também umas minissaias de meio palmo que o deixava louquinho. Aprender a administrar o ciúme. Era o preço pela troca de vida. Também não se sentia culpado, aconteceu e descobriu que não era tão forte assim. Depois quem não consegue salvar a si próprio, não tem capacidade pra salvar o mundo. Preferiu seguir assim, entregue aos caprichos de Melina, a sua diabinha, cultivando labaredas no inferno.

O BURACO

Eu fiz esse buraco. Não foi difícil. Havia disposição, ferramentas novas, cimento antigo, terra fofa. Havia principalmente tempo. Ninguém pediu para que eu fizesse. Foi uma decisão minha. Ninguém estipulou prazo ou modo de fazer. Foi um trabalho tranqüilo. O ritmo foi meu. Constante. Nem houve cansaço. Houve até prazer confesso. E um buraco feito dessa maneira não obedece a um plano predeterminado. Não pensei se poderia encontrar água. Da terra ou aquelas presas em canos. Não encontrei nenhuma das duas tive sorte. O local foi bem escolhido reconheço. Minha única dificuldade foi perceber a hora de parar. Nem sei se parei porque alcancei o que gostaria ou imaginava, ou porque não alcanço mais a abertura. A terra que jogo para fora formou um pequeno monte ao redor e parte dela está voltando em pequenas nuvens que me sujam. Toda vez que cavo as paredes ao redor tremem um pouco provocando a queda de mais terra. Não estou preocupado em sair daqui. Estou preocupado em não poder cavar mais. Eu sempre quis cavar um buraco desses. Surgiu essa oportunidade e não me organizei da melhor maneira. Deveria ter instalado uma roldana para retirar os baldes de terra. Pensei que utilizando pás faria isso com tranqüilidade. Talvez eu pensasse que não chegaria tão longe. Que em determinado momento eu pararia. Por cansaço ou por descobrir a situação ridícula em que eu estava me metendo. Talvez eu quisesse ficar naquela situação mesmo e agora preciso sentar e pensar um pouco.
É estranho o céu visto do fundo de um buraco. Lembra uma luneta sem lente. Quero dizer no caso de um buraco redondo como eu fiz. Alguém disse que a melhor maneira de sair do buraco é parar de cavar. Agora estou pensando na melhor maneira de continuar cavando.