Eu
precisava tomar uma atitude. Era ele ou eu. Enxerguei o ódio em seu olhar. Confundi
o vazio com o ódio. O que é quase a mesma coisa. Difícil diferençar. Não sabia
que ele era cego. Não vi. Agora é tarde.
PARALELODRAMAS
contos e psicotramas fabuloucos
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
terça-feira, 11 de março de 2014
IGUAL QUANDO SE MASTIGA OS OLHOS
Acontece
assim, você está observando a sua comida e, de repente, seus olhos caem dentro
do prato e você nem percebe e continua mastigando e sente aquele gosto mais
amargo do que doce, sem nem saber que o amargo é parte do olho que está sendo
mastigado, sem perceber que é mais amargo do que doce o que os olhos enxergam e
você continua mastigando e engolindo porque já passa um pouco da hora do almoço
e é preciso mandar a comidinha para dentro e você continua mastigando e só dá
por falta dos olhos quando vai se olhar no espelho e percebe o buraco na sua
cara e vai ficar se perguntando onde diabos perdeu os olhos como pode ter
acontecido isso e tal, aquele medo aquela angústia bem estranha para aquele
momento como naquele dia em que alguém chamado Clariceflórido, isso mesmo,
Clariceflórido baixou um pouco a vista para ver quem estava ligando para ele no
celular e viu a foto da irmã que quase nunca ligava e geralmente ele não atende
ninguém quando está dirigindo seu automóvel automático importado comprado em
sessenta suaves prestações mesmo com a entrega do automóvel anterior como
entrada, aquela irmã só ligava para dar notícias sérias e ele abaixou um pouco
mais a cabeça para apertar o botão que permite falar em voz alta ou o que
chamam de viva voz, como se toda a voz não fosse viva, e esse intervalo de
atenção no qual ele baixou a cabeça foi o suficiente para o sinal fechar, mas
ele não percebeu e cruzou a avenida central, aquela em que pesados caminhões
trafegam carregados de contêineres e outras mercadorias até mais pesadas e às
vezes mais leves e um desses caminhões, um de outras mercadorias, bateu bem no
meio do veículo de Clariceflórido que tomou um grande susto, mas com pouco
prejuízo físico uma vez que o caminhão estava em marcha lenta justamente por
estar saindo de uma via onde o sinal acabara de ficar verde e provocou o
acidente que, apesar do enorme barulho, não trouxe grandes conseqüências. Clariceflórido desceu do seu veículo um pouco
assustado e sem saber que estava tonto porque pensava que a rua estava girando
por conta do grande movimento, deu alguns passos na avenida central e você sabe
como é a avenida central com todos aqueles caminhões carregando contêineres e
outras mercadorias e um deles bateu bem no meio de Clariceflórido que voou
pelos ares igual aos olhos quando são mastigados em alguma boca distraída ou
voou como voam as ligações que fazemos entre telefones celulares, no caso, a
ligação da irmã que ficou esperando ele atender e aquela demora a irritou muito
que o xingou disso e aquilo outro, Florenciclárida, sim esse é o nome dela,
Florenciclárida queria comunicar ao irmão as drásticas mudanças ocorridas na
empresa da família, ele estava voltando de uma viagem ao interior enquanto
outros sócios solicitaram uma reunião emergencial para tratar de um assunto que
ela classificou de insólito, tanto pela sua originalidade como os
desdobramentos possíveis, tratava-se do sócio fundador, que raramente saia para
almoçar e pedia o almoço no escritório, o restaurante também não era um
restaurante qualquer que fornecia o almoço para o sócio fundador, José João ou
seu zezão como era conhecido, costumava almoçar entre treze e treze e trinta
mais ou menos, comida pouca e rápida, mas saudável e após o almoço ia para o
banheiro que ficava dentro da sua imensa sala e se deparou com dois buracos no
local onde havia os olhos, procurou pelo banheiro e na sua imensa sala e graças
a alguns cílios no cantinho do prato, até porque os cílios de seu zezão são
longos e grisalhos, como os poucos cabelos que ainda restavam na sua cabeleira
rara, constatou que havia mastigado os olhos e percebeu que o sabor era mais
amargo do que doce, seu zezão convocou uma reunião extraordinária para decidir
o que fazer depois daquele acontecimento e, mais grave, queria entender como
ele enxergava no espelho os buracos dos olhos, já que não havia mais olhos por
onde enxergar. Florenciclárida ligou para Clariceflórido, seu irmão, para
comunicar o acontecimento, mas o filho da mãe não atendia a ligação
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
ESTIMO MELHORAS A QUEM DESEJO MORTO
De vez em quando é bom visitar o inimigo. Principalmente quando ele está internado num hospital. Melhor ainda se estiver numa Unidade de Terapia Intensiva e em estado de coma não induzido. Um prazer que precisa ser exteriorizado. Visitar no horário onde o maior número possível de familiares esteja presente. Principalmente os que sabem do ódio que os une. Os que sabem da sua alegria contida nesse gesto de solidariedade que eles sabem falso. Manifestar o seu desejo de entrar na UTI e, certo dessa recusa por parte dos familiares, subornar o enfermeiro chefe com qualquer coisa que o seduza, dinheiro por exemplo. E, feliz glorioso sorridente, adentrar na UTI com uma tesoura no bolso. Uma tesoura longa e bem amolada. Certificar-se de que alguns daqueles parentes próximos estejam do outro lado do vidro e assista você tocar na mão do inimigo tocar nos tubos. Tocar no futuro e imaginar um daqueles parentes próximos relatando ao inimigo aquela maravilhosa visita o seu toque na mão e nos tubos. O gesto da sua mão que entra no bolso e lentamente retira a tesoura e a angústia daqueles parentes que ao virem gritam no meio da sala de espera como tantos outros gritam diante da notícia da morte. Enquanto você utiliza a tesoura para aparar as unhas do inimigo. Até a chegada do enfermeiro corrupto e a repreensão pela utilização de equipamento não autorizado. Você explica dos arranhões que sofreu no último embate, mas o enfermeiro não quer escutar. Aceita a reclamação e retira-se sendo agredido por aqueles parentes que se dizem próximos. E você, mesmo com o lábio cortado, o hematoma no olho, perdoa a todos porque aqueles não são seus inimigos, mas não perdoa o inimigo que se entregou a uma doença não provocada por você. E, sinceramente, estima que ele melhore o mais rápido possível, para que o seu ódio se prolongue por mais algum tempo e sua vida volte a ter sentido quando o inimigo cair por golpes desferidos diretamente por você.
ESTIMO MELHORAS A QUEM DESEJO MORTO
De vez em quando é bom visitar o inimigo. Principalmente quando ele está internado num hospital. Melhor ainda se estiver numa Unidade de Terapia Intensiva e em estado de coma não induzido. Um prazer que precisa ser exteriorizado. Visitar no horário onde o maior número possível de familiares esteja presente. Principalmente os que sabem do ódio que os une. Os que sabem da sua alegria contida nesse gesto de solidariedade que eles sabem falso. Manifestar o seu desejo de entrar na UTI e, certo dessa recusa por parte dos familiares, subornar o enfermeiro chefe com qualquer coisa que o seduza, dinheiro por exemplo. E, feliz glorioso sorridente, adentrar na UTI com uma tesoura no bolso. Uma tesoura longa e bem amolada. Certificar-se de que alguns daqueles parentes próximos estejam do outro lado do vidro e assista você tocar na mão do inimigo tocar nos tubos. Tocar no futuro e imaginar um daqueles parentes próximos relatando ao inimigo aquela maravilhosa visita o seu toque na mão e nos tubos. O gesto da sua mão que entra no bolso e lentamente retira a tesoura e a angústia daqueles parentes que ao virem gritam no meio da sala de espera como tantos outros gritam diante da notícia da morte. Enquanto você utiliza a tesoura para aparar as unhas do inimigo. Até a chegada do enfermeiro corrupto e a repreensão pela utilização de equipamento não autorizado. Você explica dos arranhões que sofreu no último embate, mas o enfermeiro não quer escutar. Aceita a reclamação e retira-se sendo agredido por aqueles parentes que se dizem próximos. E você, mesmo com o lábio cortado, o hematoma no olho, perdoa a todos porque aqueles não são seus inimigos, mas não perdoa o inimigo que se entregou a uma doença não provocada por você. E, sinceramente, estima que ele melhore o mais rápido possível, para que o seu ódio se prolongue por mais algum tempo e sua vida volte a ter sentido quando o inimigo cair por golpes desferidos diretamente por você.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
TOP DE LINHA
Duílio começou roubando na feira. Bolsas. Carteiras. Senhoras e senhores descuidados. Depois centro da cidade. Continuou o descuidismo. Qualquer objeto que se distraísse do dono passava a ser seu. Guardava dinheiro. Queria comprar uma arma e tomar posse de objetos maiores. Queria na verdade ser top de linha. Entrar pela porta da frente do banco com um fuzil na mão. Gritando. Por enquanto a padaria do bairro e a farmácia serviam. Surgiu a oportunidade. Precisavam de um cara pra entrar gritando num banco com um fuzil na mão e ele se apresentou. Finalmente seria um top de linha. Mas o que ele não sabia é que os tops de linha sempre usavam um novato como bucha de canhão. O anteparo para o primeiro tiro. E ele levou o primeiro tiro e o segundo e um terceiro. Apagou. Acordou algemado na cama do hospital. E não precisava ser top de linha pra saber que o silêncio é amigo da vida e irmão da dor. Os policiais o interrogaram com uma mão em cima do ferimento. Pressionaram até que ele desmaiasse. Acordava e dormia. Ainda estava vivo quando transferiram seu corpo para outra maca e ficou assistindo as luzes do corredor iluminando seu rosto. Entrou na ambulância. Estava muito cansado daquilo tudo. Reconheceu a voz que chamava seu nome. Alguns dos seus colegas estavam ali na ambulância disfarçados de enfermeiros. Viemos te buscar disseram. Guardamos sua parte. Você é o cara. De boca fechada não sai palavra e nem entra comida suja. Duílio estava feliz. Alcançou seu sonho. Era um top de linha. Agora podia descansar. Fechou os olhos. Mas não sabia que era pela última vez.
terça-feira, 12 de abril de 2011
SOM NO ÔNIBUS
Toma.
O que é isso?
Um fone de ouvido.
Sim, eu sei, mas pra quê eu quero isso?
Isso serve pra colocar no ouvido. Você enfia esse plugue aqui no celular e essas duas almofadinhas aqui, tá vendo Você enfia cada uma em um dos ouvidos...
Sim, eu sei como usa, não tô entendendo porque você tá me dando isso.
Pra você ouvir a sua musiquinha bem baixinho sem precisar a gente ficar ouvindo, entendeu agora?
Mas eu não quero ouvir no fone de ouvido, quero ouvir assim como tô ouvindo.
Mas acontece que a gente não tá afim de ouvir essa sua música.
A gente quem? Por acaso você tem procuração pra falar pelos outros? Se você tá incomodado que assuma sozinho.
Eu tô incomodado e muita gente aqui também tá. Só que eu tenho coragem de falar e os outros ficam calados.
Bom cara, problema teu. Eu não vou botar esse trocinho no ouvido não. Isso ofende o ouvido sabia?
Quem ofende o ouvido é esse som que você tá ouvido
Um pau que ofende...
Olha a baixaria, to falando com educação, tem criança e senhoras aqui no recinto.
Pra teu governo não vou baixar o som não, cara. E aí tu vai fazer o quê? Vai me bater, vai me jogar pela janela e aí?
Preste atenção, você ainda é muito jovem, seus pais não lhe deram boa educação...
Não vem falar da minha mãe não cara, tá me estranhando? Qual é?
Nós estamos num coletivo. Sabe o que significa coletivo?
Sei, cardume é de peixe, esquadria é de avião, coletivo de otário é tu e tua família toda.
Tô já perdendo a paciência contigo, não me ofende não nem minha família. Otário é você com esse som ridículo.
E aí vai perder a paciência e vai fazer o quê pra achar ela, vai me bater, vai jogar meu som fora? Não enche meu saco não cara. Fica na tua é melhor pra tu.
Como eu tava dizendo estamos num coletivo e é preciso respeitar os que estão dentro do coletivo, não fazer barulho, respeitar o espaço do outro, tratar com civilidade às pessoas...
Olha cara, tás parecendo meu professor de cidadania, to afim não, já larguei, vai te catar. Se tu queria impedir que eu ouvisse meu som conseguisse. Vou descer nessa. Da próxima vez que eu te encontrar e vier com esse papo de desligar meu som, não vai prestar não cara.
Isso é uma ameaça?
É só um aviso. Vou te ensinar onde colocar o plugue.
Vai cara, já vai tarde.
O rapaz desce e faz gestos obscenos para o outro que ficou no ônibus.
Olha só que juventude é essa, não respeita ninguém. Mas pelo menos durante a discussão não ouvimos aquela música horrível.
O que é isso?
Um fone de ouvido.
Sim, eu sei, mas pra quê eu quero isso?
Isso serve pra colocar no ouvido. Você enfia esse plugue aqui no celular e essas duas almofadinhas aqui, tá vendo Você enfia cada uma em um dos ouvidos...
Sim, eu sei como usa, não tô entendendo porque você tá me dando isso.
Pra você ouvir a sua musiquinha bem baixinho sem precisar a gente ficar ouvindo, entendeu agora?
Mas eu não quero ouvir no fone de ouvido, quero ouvir assim como tô ouvindo.
Mas acontece que a gente não tá afim de ouvir essa sua música.
A gente quem? Por acaso você tem procuração pra falar pelos outros? Se você tá incomodado que assuma sozinho.
Eu tô incomodado e muita gente aqui também tá. Só que eu tenho coragem de falar e os outros ficam calados.
Bom cara, problema teu. Eu não vou botar esse trocinho no ouvido não. Isso ofende o ouvido sabia?
Quem ofende o ouvido é esse som que você tá ouvido
Um pau que ofende...
Olha a baixaria, to falando com educação, tem criança e senhoras aqui no recinto.
Pra teu governo não vou baixar o som não, cara. E aí tu vai fazer o quê? Vai me bater, vai me jogar pela janela e aí?
Preste atenção, você ainda é muito jovem, seus pais não lhe deram boa educação...
Não vem falar da minha mãe não cara, tá me estranhando? Qual é?
Nós estamos num coletivo. Sabe o que significa coletivo?
Sei, cardume é de peixe, esquadria é de avião, coletivo de otário é tu e tua família toda.
Tô já perdendo a paciência contigo, não me ofende não nem minha família. Otário é você com esse som ridículo.
E aí vai perder a paciência e vai fazer o quê pra achar ela, vai me bater, vai jogar meu som fora? Não enche meu saco não cara. Fica na tua é melhor pra tu.
Como eu tava dizendo estamos num coletivo e é preciso respeitar os que estão dentro do coletivo, não fazer barulho, respeitar o espaço do outro, tratar com civilidade às pessoas...
Olha cara, tás parecendo meu professor de cidadania, to afim não, já larguei, vai te catar. Se tu queria impedir que eu ouvisse meu som conseguisse. Vou descer nessa. Da próxima vez que eu te encontrar e vier com esse papo de desligar meu som, não vai prestar não cara.
Isso é uma ameaça?
É só um aviso. Vou te ensinar onde colocar o plugue.
Vai cara, já vai tarde.
O rapaz desce e faz gestos obscenos para o outro que ficou no ônibus.
Olha só que juventude é essa, não respeita ninguém. Mas pelo menos durante a discussão não ouvimos aquela música horrível.
quinta-feira, 24 de março de 2011
O OBREIRO E A DIABAZINHA
Pelo vão da porta do ônibus aberta Dalva põe a cabeça e pergunta ao motorista:
- Adeilton tá por aí?
- quem senhora?
- Adeilton, meu marido, ele tá nesse ônibus?
Uma pessoa na parada do ônibus gesticula pra o motorista que se trata de uma maluca. O motorista desconversa e dá a partida.
Adeilton fugiu num ônibus igual àquele num final de tarde juntamente com a vizinha menor de quinze anos. A tal que andava com aqueles shortinhos, com aquelas blusinhas, mostrando tudo. Adeilton era casado com Dalva, não tinha filhos, homem bom e generoso, não bebia, não fumava, nem gritava em casa nem na rua. Era obreiro numa igreja evangélica e um dia a mãe da vizinha veio pedir ajuda pra filhinha de quinze anos que estava parecendo possessa, querendo quebrar as coisas dentro de casa, Adeilton, bondoso, na intenção de minimizar o sofrimento daquela mãe desesperada, prontificou-se em ajudar e foi até a casa carregando a bíblia. A menina não ouvia ninguém, conseguiu levá-la até o quarto e trancou-se com ela. A menina mostrou ao obreiro o demônio do amor no corpo e o seduziu. Adeilton nunca imaginou que uma mulher, ou melhor, que uma menina de quinze anos poderia fazer tudo aquilo que ela fez com ele. Esqueceu os versículos só lembrou dos testículos e se deixou levar pelo demônio, ela o fez enxergar um maravilhoso inferno e não mais voltou. Ficou por lá, fez as malas e partiu num ônibus no final da tarde. Para desespero de Dalva e alegria da endemoniada.
Foram morar em outra cidade. Adeilton era pedreiro de mão cheia, excelente profissional, arrumou logo emprego e dava pra sustentar os caprichos da nova companheira. Chegava cansado apesar de jovem não tinha fôlego pra sustentar os malabarismos da diabinha. Sabia que durante o dia ela fazia suas estripulias. Usava aqueles shortinhos, aquelas blusinhas. Inventou usar também umas minissaias de meio palmo que o deixava louquinho. Aprender a administrar o ciúme. Era o preço pela troca de vida. Também não se sentia culpado, aconteceu e descobriu que não era tão forte assim. Depois quem não consegue salvar a si próprio, não tem capacidade pra salvar o mundo. Preferiu seguir assim, entregue aos caprichos de Melina, a sua diabinha, cultivando labaredas no inferno.
- Adeilton tá por aí?
- quem senhora?
- Adeilton, meu marido, ele tá nesse ônibus?
Uma pessoa na parada do ônibus gesticula pra o motorista que se trata de uma maluca. O motorista desconversa e dá a partida.
Adeilton fugiu num ônibus igual àquele num final de tarde juntamente com a vizinha menor de quinze anos. A tal que andava com aqueles shortinhos, com aquelas blusinhas, mostrando tudo. Adeilton era casado com Dalva, não tinha filhos, homem bom e generoso, não bebia, não fumava, nem gritava em casa nem na rua. Era obreiro numa igreja evangélica e um dia a mãe da vizinha veio pedir ajuda pra filhinha de quinze anos que estava parecendo possessa, querendo quebrar as coisas dentro de casa, Adeilton, bondoso, na intenção de minimizar o sofrimento daquela mãe desesperada, prontificou-se em ajudar e foi até a casa carregando a bíblia. A menina não ouvia ninguém, conseguiu levá-la até o quarto e trancou-se com ela. A menina mostrou ao obreiro o demônio do amor no corpo e o seduziu. Adeilton nunca imaginou que uma mulher, ou melhor, que uma menina de quinze anos poderia fazer tudo aquilo que ela fez com ele. Esqueceu os versículos só lembrou dos testículos e se deixou levar pelo demônio, ela o fez enxergar um maravilhoso inferno e não mais voltou. Ficou por lá, fez as malas e partiu num ônibus no final da tarde. Para desespero de Dalva e alegria da endemoniada.
Foram morar em outra cidade. Adeilton era pedreiro de mão cheia, excelente profissional, arrumou logo emprego e dava pra sustentar os caprichos da nova companheira. Chegava cansado apesar de jovem não tinha fôlego pra sustentar os malabarismos da diabinha. Sabia que durante o dia ela fazia suas estripulias. Usava aqueles shortinhos, aquelas blusinhas. Inventou usar também umas minissaias de meio palmo que o deixava louquinho. Aprender a administrar o ciúme. Era o preço pela troca de vida. Também não se sentia culpado, aconteceu e descobriu que não era tão forte assim. Depois quem não consegue salvar a si próprio, não tem capacidade pra salvar o mundo. Preferiu seguir assim, entregue aos caprichos de Melina, a sua diabinha, cultivando labaredas no inferno.
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